Iniciativa prevê juntar informações como nome, lugar de origem, localização atual, histórias de quem não tem um teto e até mesmo promover reencontro com familiares.
SÃO PAULO – Um aplicativo recém-lançado reunirá dados inéditos em um censo das pessoas em situação de rua em São Paulo. O app “Calor da rua” pretende juntar não só números, mas também informações como nome, lugar de origem, localização atual, situação familiar e, principalmente, as histórias que levaram essas pessoas às ruas. A ideia é dar rosto e voz a esse grupo crescente na capital paulista — os dados oficiais mais recentes, de 2015, indicavam quase 16 mil pessoas nessa condição na cidade.
O primeiro teste foi realizado em uma ação da rede Ecos, que reúne coletivos com projetos e mobilizações sociais para a população de rua. No início, apenas voluntários da rede coletarão os dados, que serão inseridos no app e analisados durante seis meses. Depois, o aplicativo deve ser aberto para que cidadãos também passem a colaborar com as informações.
O “Calor da rua” permite marcar, como em um GPS, a localização da pessoa em situação de rua. Ao clicar nesse ponto, se algum voluntário já tiver conversado com essa pessoa, será possível saber no aplicativo seu nome, idade, cidade, por que foi para a rua, quais são as dificuldades, se possui alguma deficiência, entre outros.
O app também deve captar sentimentos que as pessoas em situação de rua desejem demonstrar: o que a levou para lá ou o que não a faz procurar um abrigo. A expectativa é que esses dados também ajudem a melhorar as rotas dos projetos ao criar “mapas de calor” da população em situação de rua. E já há interesse em levar a experiência ao Rio de Janeiro.
— Vai ser a tecnologia do encontro. Cada voluntário vai levar o app no celular e puxar um diálogo aberto, sem a formalidade de uma pesquisa. Não queremos perder humanidade — conta Ricardo Mezadri, co-fundador da rede Ecos com Mônica Cerantola.
Ecosistema das ruas
A iniciativa do app começou a tomar forma em julho. Nasceu na casa da Ecos. A rede já englobava a iniciativa “Sementes de amor”, que leva psicólogos e terapeutas holísticos a moradores em situação de rua.
— Dessa vivência, começamos a questionar por que não entender também o ecossistema das ruas. — lembra Mezadri.
O último censo conhecido de pessoas em situação de rua foi realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), e é o dado oficial com que a Prefeitura de São Paulo trabalha. Na época, contavam-se 15.905 pessoas nessa condição. E o estudo já alertava para o aumento expressivo da população de rua em São Paulo. Em 2000, eram 8.706 pessoas; em 2009, 13.666 e, em 2011, 14.478. A maioria é de homens (84%), e a idade média ronda os 39 anos.
O próximo censo da prefeitura, segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, seria feito apenas em 2020. Mas a prefeitura decidiu antecipar para 2019, coincidindo com o da Ecos. “Devido à crise econômica que vem afligindo o país nos últimos anos, a perspectiva é que esse número (de pessoas em situação de rua) tenha crescido”, explica a prefeitura em nota.
Mezadri acredita que o número seja muito maior hoje. Daí a aposta da rede, que não tem relação com a prefeitura, em uma pesquisa qualitativa dos moradores nas ruas.
Outra ambição é que o “Calor da rua” possa ajudar pessoas a reencontrarem familiares, ao apontar nomes e cidades de origem. Por enquanto, a versão funcionará apenas para celulares com sistema Android. O app foi desenvolvido por um voluntário da rede, João Pedro Monoo, e a análise das informações está por conta de outro voluntário, o cientista de dados Thiago Buselato Maurício.
— São ideias. Temos o resguardo dessa rede, com o apoio de quem conhece as ruas. A proporção que isso pode ganhar é imensurável — afirma Mezadri.
Os coletivos que fazem parte da rede Ecos são Alimente-me, Anjos da Cidade, Café dos Amigos, GAS – Grupo de Atitude Social, Faz-me brilhar, Jovens do Sopão, Projeto Enfrente, Projeto Lavanderia e Sementes de Amor.
Fonte: O Globo Sociedade